Devia ter uns quatro anos quando me perguntaram isso pela primeira vez.
Não soube responder.
Aos quatro anos o nosso mundo é demasiado pequeno para acertar nesse Euromilhões.
Falo por mim, claro.
Não conhecia o Bresson, o Kertész ou o Salgado.
E a máquina fotográfica da minha tia ficava com toda a certeza, à distância de umas valentes palmadas.
Seria impossível dar a resposta certa.
Lembro-me disso ainda a propósito do post ali de baixo.
No momento de maior aflição, houve uma mulher que se aproximou da maca.
Uma africana de meia-idade.
Sei-o mas a verdade é que olhei-a sem a ver.
Perguntou o que é que a minha mãe tinha.
Eu balbuciei alguma coisa tão enrolada que nem me lembro.
Não foi um desampare-me-mazé-a-loja-que-não-estou-com-paciência-para-conversas-da-treta mas era o que apetecia.
Há vezes em que não consigo ser correcto com os outros.
Desta vez tenho desculpa.
Com uma mão apertava a mão da minha mãe.
Com a outra fazia equilibrismo com o coração.
Não é fácil, mesmo para quem tem habilidades circenses.
Só passado algum tempo é que apercebi-me que a senhora continuava ali ao lado.
A rezar.
Devo ter demorado um bocado a virar-me porque quando abri os olhos, ela já lá não estava.
Seguiu-se a viagem para a TAC e o OBRIGADO! não chegou até onde devia.
Este post nunca poderia deixar de ser escrito, mesmo sabendo que dificilmente chegará ao destinatário.
Não sei se era paciente ou acompanhante, sei que não estava ali em turismo.
É qualquer coisa de impressionante haver quem, do fundo dos seus dramas pessoais, encontre espaço para confortar perfeitos desconhecidos.
Às vezes, as grandes pessoas reconhecem-se nos pequenos gestos.
Há muito que tenho essa certeza.
Agora não tenho nenhuma dúvida.
Gestos como aquele são exemplos de uma rara grandeza de Alma e coração.
Corro o risco de raiar o utópico, bem sei, mas quando for grande é assim que eu quero ser.