Na despedida, agarra-me. Num abraço enorme. Num aperto ainda maior. A reacção foi de completa surpresa, de tão inesperada. Conhecemo-nos há meia-hora. Meia-hora, apenas.
-Porque podias ser meu neto, podias ser meu neto.
Não lhe vejo o rosto, mas sei-lhe a aflição. Pela voz, pelo aperto, por tudo.
Aperto-a também, com cuidado.
-Obrigado por tudo.
-Não tem nada que me agradecer!
Não tem. Não tem mesmo. Não fiz nada.
Ouvi-a. Apenas isso. A filha, as obras que lhe levaram, a filha, ela, a filha, o trabalho que não tem mas quer, a filha. Também falei. Pouco, muito menos do que devia. Porque todas as palavras que me sairam, foram curtas para evitar que os olhos se inundassem. Pela filha. E outra vez pela filha. E outra vez eu a torcer para não ver as lágrimas a rolar por ali abaixo. Não rolaram. Ainda bem que não rolaram. Conhecemo-nos há meia-hora. Meia-hora, apenas.
Sei bem que não nos podemos deixar envolver. Não devemos. "...para não correr o risco de perdermos a objectividade", lembro-me da aula. Mas o trabalho há muito que estava feito. Acabou quando o flash foi arrumado.
Não a desaperto. É ela que me desaperta.
-Tenho pena que a São não tenha vindo. Queria tanto falar com ela...
-Ela queria vir mas não pôde. Não pôde mesmo. Está com muito trabalho.
Tenho de ir.
Ela sabe que eu tenho de ir. Estende-me a mão. E mais um aperto. Agora só de mãos. A dela no meio das minhas. E de olhos. Olha-me para dentro, pelos olhos. E bem do alto da agonia que sente, é ela que encontra palavras que me confortam. Com a certeza de quem sabe. Com a naturalidade de quem não tem dúvida. Nenhuma.
Talvez porque podia mesmo ser seu neto, podia mesmo.
Mas conhecemo-nos há meia-hora. Meia-hora, apenas.